O tempo livre de que dispunha hoje, para escrever, está a esgotar-se. Falta-me, porém, o equilíbrio necessário para que as palavras possam fluir. Estou desencantada com as minhas reacções. Não sinto mais aquele fervilhar estimulante que me deixava viver em paralelo com os contratempos, estado esse que me ia facultando suficiente liberdade de acção para transpor as barreiras que me iam sendo colocadas, ao longo da vida. Mais do que a busca de um ombro amigo, escrever sempre foi a minha preferência de ter encontros comigo mesma. Hoje, porém, atingi um estado de saturação que me impede de concentrar-me na execução daquilo que me dava tanto prazer e que me permitia neutralizar, razoavelmente bem, as minhas preocupações. Escrevendo, conseguia libertar-me, completamente, daquilo que não queria recordar.
Neste momento procuro inspiração, mas as palavras não surgem e o tema que tinha em mente enfrentar, perdeu-se na minha inacção. Atingi uma idade em que prefiro escrever , maioritariamente sobre temas do presente, e não sobre o que tanto mal me fez no passado, ou sobre o que gostaria de ter sido, e não consegui, por várias circunstâncias. As minhas reflexões sobre o meu passado são imutáveis, mas tento evitar que possam, eventualmente, acabar por prejudicar uma evolução positiva que tanto ambiciono. Preciso de organizar as minhas ideias, baralhadas num tempo passado que me parece ainda, demasiadamente próximo.
É tarde e não consigo concentrar-me, porque nem sempre a minha mente se propõe sobrepor-se a este sentimento perturbador, que não me permite que as ideias fluam organizadas. Arrisco-me a perder-me pelo caminho e acabe por não perceber onde quereria chegar quando, hoje, decidi escrever. No meu dia-a-dia, faço o que posso, não o que gostaria de fazer. Vivo como posso, não como gostaria de viver. Assim acontece com a escrita. Deixo-me vaguear ao sabor desta indecisão, à mercê da inspiração e, enquanto esta sensação não passa, atiro para o papel pedaços do que sinto. Mas hoje não tenho forças para comandar este turpor. Escrevo, apago e volto a tentar escrever. Porque deveria ser diferente, se sou vítima directa dum estado de coisas que repugna-me admitir estarem irremediavelmente perdidas? Sim, eu sei que se toda a humanidade se revelasse condenada à inacção que sinto hoje, o mundo não melhoraria porque passaríamos todos a viver no modo zombie...
Estamos reduzidos a pobres criaturas obrigadas a obedecer a leis impostas sabe Deus por quem, se não tivermos força suficiente para lutar pela mudança da realidade que enfrentamos. Como poderemos ter objectivos na vida quando, tantas vezes, surge alguém que nos puxa o tapete debaixo dos nossos pés - exactamente quando julgávamos estarmos a alcançar a vitória? Repentinamente, sem se saber de onde, surge o "inesperado", uma qualquer “pouca sorte” que faz-nos acumular mais um problema a outros já existentes. Vítimas dum sistema corrupto, quase não temos forças para prosseguir na luta que tínhamos encetado um dia, já nem nos lembraremos quando.
Será melhor ficar por aqui. Se começo a descrever o que penso da sociedade em que vivemos, actualmente, não conseguirei o meu objectivo de sempre: escrever com coerência, sobre o presente que estamos a viver em todo o mundo. Nunca fui mulher de desistências, seja do que fôr, mas hoje vou desistir de reencontrar o tema sôbre o qual a minha inspiração, não existente, deveria dissertar. Espero que amanhã a minha necessidade de escrever volte a revelar-se. Quem sabe será um maravilhoso dia, tanto para mim como para tantas outras pessoas, vitimas dum sistema onde impera a lei do “salve-se quem puder e como possível”. Entretanto, a guerra continua a destruir, os assaltos continuam a aumentar, os abusos de toda a espécie continuam a instalar o terror... Inúmeras vozes permanecem em silêncio, com enorme vontade de gritar, mas não se fazem ouvir porque existe um sentimento desgastante de que ninguém irá ouvi-las. Paira uma sensação de mordaça que aperta, que não nos deixa gritar aos ouvidos moucos de quem ignora o sofrimento. Entretanto, indiferente a este lado da humanidade, escuro como breu, coexiste um outro cheio de brilhos estonteantes, com exageradas regalias que são, permanentemente, usurpadas daqueles que deveriam ter nem que fosse apenas algumas. Esta louca atmosfera que vivemos deixa-nos abafados, sem capacidade para encontrarmos sábios estratagemas que poham um fim no lado preverso do mundo.
Teria sido incoerente em tudo o que escrevi, mas fui fiel a uma realidade inexoravelmente comum a tantas pessoas como eu: a Insuportável Impotência da humanidade, perante o panorama geral do que se passa no mundo.