Como cidadã consciente da realidade que vivemos em Portugal, hoje reclamo contra a inconsciência de todo aquele que, usufruindo de condições privilegiadas de vida, aceitou ter sido escolhido pelo partido que representa para candidatar-se a primeiro-ministro de um país com milhares de pessoas a viver em condições deploráveis, sabendo, de antemão, que não iria ser fácil tal tarefa.
Eleito sem ter atingido a maioria, entregou-se à tarefa de colocar “remendos” aqui ou ali, tentando criar um clima de contentamento descontente entre o povo. Contudo, é preciso uma boa dose de sangue frio para aceitar essa situação, sabendo, antecipadamente, que não irá ter soluções imediatas para “levar a carta a Garcia”. Nessa impossibilidade, permite-se calar o eco dos gritos vindos da alma de quem está em sofrimento, dando-lhe pequenas “esmolas” que vão sendo oferecidas, como se de regalias se tratasse.
Qualquer candidato que aceite assumir a chefia de um governo não deveria compactuar com incongruências que pusessem em causa a sua consciência absoluta de uma realidade que não deveria pôr em prática, tais como:
a) Uma vez única, num determinado mês, dar uma “esmola” a cada cidadão reformado, como compensação pelos escandalosos aumentos no preço de produtos alimentares, e não só:
b) Haver, neste momento, milhares de pessoas que, por vergonha, muitas vezes já só comem arroz com arroz e batatas com batatas, vivendo, portanto, no limiar da miséria;
c) Termos certos cidadãos – inadmissível! – a sobreviver com a miserável esmola de um subsídio vergonhoso e deplorável de reinserção social;
Um chefe de governo que permite estas incongruências está a candidatar-se a entrar na longa lista de todos quantos colocaram Portugal no caos em que se encontra agora. E, enquanto tudo isso ocorre, esse responsável elemento do governo cumpre o honroso dever de sorrir à população com um ar que eu sinto ser “de quem sabe, mas não diz”, pomposamente protegido pelo célebre manto diáfano de fantasia, a que faço, por vezes, referência, e que o eleva à categoria de promotor de injustiça social, se nada fizer de concreto, imediato e eficaz.
Relativamente a uma considerável camada da população portuguesa, que vive deambulando pelas ruas “in mode” zombie, gostaria que fossem encontradas soluções para essa gente, vítimas directas de desamor e espelhos do que acontece a quem abusa do recurso ao uso permanente de substâncias psicotrópicas, maldição que lhes permite perder a consciência da verdadeira realidade de um mundo em transformação continuada, onde a ofensa à dignidade humana tem lugar de destaque.
Seria bom, também, que terminasse, de vez, a atribuição de culpas a governos anteriores. Essa desculpa já perdeu o prazo de validade. Ao assumir uma posição, há que arregaçar as mangas e provar competência. A incompetência de quem governou anteriormente faz parte do passado. Ou o novo substituto aceita o cargo ou o recusa. A elaboração de um programa concebido com o objectivo efectivo de renovação deste lindo país terá de dar provas do que há a fazer, e não do que poderia ter sido feito. Esse argumento já não "cola" como alibi para futuros erros imperdoáveis.
Ninguém poria em causa a vida privilegiada a que cada cidadão possa, meritoriamente, ter direito. O que deve ser posto em causa, a quem governa um país numa situação deplorável como a que se vive, actualmente, em Portugal, é não permitir-se governar mal, ou “governar-se bem”, sabendo perfeitamente que muita gente está a sucumbir devido à fome ou à ingestão de alimentos prejudiciais à sua saúde, porque não tem condições económicas para comprar melhor. Muita gente morre de fome e de vergonha, e o Estado fecha os olhos a essa realidade. Tais condições incitam, malogradamente, à violência de todo o género. Lugares de elevada responsabilidade, como o de primeiro-ministro – e não só – deveriam ser preenchidos por pessoas que não permitissem a esmola, em detrimento da elaboração de um claro programa de mudança radical, justo e transparente. “Dar esmola” ofende, mais ainda se o que se pretende é, tão-somente, apaziguar a revolta.
A concluir este manifesto de preocupação e de desagrado:
"A história parece repetir-se, e na Assembleia da República paira uma impávida expectativa de um “dois mil e qualquer coisa” que, forçosamente, recorda aos mais atentos e conhecedores de causa, o ano de mil novecentos e vinte e seis, em que a ditadura nacional se impôs. Isso é uma das coisas que a maioria não gostaria que voltasse a acontecer...”