Escrevo, volto a escrever, atiro para o papel extractos do meu eu, do que penso, do que pensava ou do que sentia no passado. Não gosto de negligenciar o que sou ou o que gostaria de ter sido. Hoje já quase não me interessa ordenar ideias quando escrevo. Vou escrevendo, sem um objectivo definido.
Tal como no meu dia-a-dia, faço o que posso, não o que gostaria de fazer. Vivo como posso, não como gostaria de viver. Mas nem quero pensar nisso. Deixo-me vaguear ao sabor do tempo e das minhas possibilidades. Para quê ordenar e organizar ideias, quando hoje somos mais vítimas do tempo do que vencedores na corrida para alcançar um determinado objectivo? Quando pensamos que estamos quase a alcançar a vitória, cai-nos em cima mais um problema que, ao ser ultrapassado, pode acabar num desastre. Ficamos tão sem jeito que perdemos a vontade de seguir a estrada da vida, dando prioridade a prioridades ou tentando organizar-nos.
É melhor ficar por aqui. Se começo a procurar o fio neste novelo todo sem jeito, acabarei por desistir, e eu nunca fui mulher de desistências. Vou continuar a divagar: hoje um pouco, amanhã muito, ou talvez nada. Depende do dia. Veremos o que o meu tempo livre me permitirá amanhã. Tempo livre? Quem terá inventado essa expressão? Está tão distante que já quase me esquecera da sua existência.
Não sou apenas a mulher consciente, lutadora e cheia de garra com que os outros sempre me identificaram. Também tenho os meus momentos, mas vivo-os sozinha. Sempre que posso, evito que os outros se apercebam deles. Esses momentos, porém, duram apenas umas curtas horas. Assim que percebo que este estado de espírito me está a ser nefasto, levanto-me, encho o peito de ar e vou à rua dar uma volta, se ainda for cedo. Se não for, ponho uma bela música a tocar. Só não danço porque teria vergonha de o fazer sozinha, não vá convencer-me de que estou a endoidecer. Como sempre acontece nas minhas santas noites, quando vou para a cama, durmo consciente de que tudo parecerá melhor no dia seguinte.